quarta-feira, 10 de julho de 2013

Contabilidade criativa: a bola de neve bancada pelo Tesouro para reduzir as contas de energia

Fonte: Aneel


Como dito no post anterior, o governo federal  prometeu a redução das tarifas de energia em cerca de 20% em 2013, por meio da prorrogação das concessões de hidrelétricas e linhas de transmissão que estavam para vencer. Nessa renovação dos contratos, o preço de venda da energia passaria a ser muito baixo, somente o suficiente para bancar operação e manutenção dos ativos. Isso é que garantiria o tal desconto.
No entanto, algumas empresas não aceitaram renovar os contratos de suas hidrelétricas nesses termos e, portanto, seguirão operando as usinas até o vencimento dos contratos pelos preços vigentes. Tais decisões, que o governo tentou politizar, parecem bastante técnicas, uma vez que Cesp e Cemig, por exemplo, teriam súbito corte de caixa se aceitassem a proposta. A própria Eletrobras, que aceitou porque tem como controlador o governo federal, sofreu oposição dos acionistas minoritários.

Nesse momento, começou a rolar montanha abaixo uma pequena bola de neve.

O governo já previa um aporte anual de cerca de R$3 bilhões por parte do Tesouro para bancar a redução de encargos cobrados nas tarifas – o que, junto com a solução dada para as concessões, garantiria o desconto. Tudo já estava muito explicado pelo homem forte do Tesouro, Arno Augustin. Mas com a não adesão de muitas hidrelétricas, a previsão de aportes necessários saltou para R$8,4 bilhões – mais do que dobrou.

Esses recursos serão provenientes de uma venda de títulos lastreados pelos recebíveis que a União tem junto a Itaipu. A estimativa do Tesouro é de que esses créditos da União junto à usina binacional sejam de cerca de US$15 bilhões – sendo que normalmente o Tesouro recebia R$4 bilhões por ano. Esses créditos, agora, têm sido vendidos ao BNDES para capitalizar a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um fundo setorial que fará os aportes no setor elétrico para garantir as tarifas reduzidas.

Arno Augustin (Crédito: Agência Brasil)

Posteriormente, garantidos os descontos, veio outro problema. São Pedro não ajudava. As chuvas foram fracas entre o final de 2012 e o início de 2013. Com isso, o sistema brasileiro, composto principalmente por hidrelétricas, ficou com pouca água e foi preciso ligar as termelétricas para garantir o suprimento. O Operador Nacional do Sistema (ONS) ainda tentou segurar na unha e adiou em um mês o acionamento das térmicas. Depois, não teve jeito e foi preciso colocar para gerar usinas a gás, carvão e óleo – que são caras e poluentes.

A conta por deixar essas usinas acionadas pode passar de R$1 bilhão por mês. O montante é recolhido nas contas de luz por meio do Encargo de Serviços de Sistema por Segurança Energética (ESS-SE), pago pelas distribuidoras, que depois repassam o montante ao consumidor final.

O problema é que o custo das térmicas ameaçava já minar a redução tarifária prometida pelo governo. Além de pressionar o IPCA, claro, que só havia ficado dentro do teto da meta do Banco Central, de 6,5%, devido à redução de cerca de 20% nas tarifas de energia.

Entrou em ação novamente o Tesouro Nacional. Ele passou a bancar, ainda com os créditos de Itaipu, os gastos das distribuidoras com esses encargos.  

Além disso, havia outra questão. Algumas distribuidoras de energia ficaram descontratadas depois de todas as manobras para renovar as concessões, que envolveram muitas mudanças em contratos existentes. Essas empresas então precisaram comprar energia no mercado de curto prazo, o chamado mercado spot. Mas o mercado spot, que tradicionalmente tem preços baixos, estava nas alturas devido à falta de chuvas. O resultado é que isso poderia quebrar as distribuidoras expostas a ele e deixar sem luz os consumidores. Ou elevar novamente a tarifa. Claro que o Tesouro apareceu novamente. Passou a cobrir a “exposição involuntária” das distribuidoras.

Somado tudo isso, a CDE, que ficou responsável por fazer os repasses que garantem a baixa tarifa, já gastou R$9,2 bilhões até julho deste ano. Foram R$2,9 bi em “subsídios tarifários”, R$322,1 milhões para garantir uma “redução tarifária equilibrada” e quase R$5,9 bilhões para custear o despacho de termelétricas e a exposição de distribuidoras ao mercado spot.

O resultado é que o Tesouro gastou, em sete meses, R$9,2 bilhões, ou 27% do total que tem a receber de Itaipu até 2023. A manobra tem o carimbo da “contabilidade criativa” que tem sido adotada pelo Tesouro na gestão de Arno Augustin. O governo gera recursos vendendo créditos futuros ao BNDES, em uma transação que não resulta em aumento de dívida, mas queima receitas futuras.


Os gastos para compensar a exposição das distribuidoras e a geração térmica serão cobrados dos consumidores nos próximos cinco anos, com o valor total do subsídio sendo diluído nos próximos reajustes tarifários a serem concedidos nesse período.

A pergunta é... vale a pena tanto subsídio pra garantir a redução da tarifa? Esse desconto não voltará nos próximos anos, quando for necessário pagar o Tesouro pela geração térmica que ele bancou? Não era possível evitar a exposição involuntária das distribuidoras se o processo de renovação das concessões não tivesse sido feito na pressa? 

Aguardamos a resposta de Mr. Mantega (será que a Economist sabe disso?)

6 comentários:

  1. Ops.

    Inventei uma url para publicar o comentário anterior e não sabia que tinha dono. Não sou o Paulo Araujo do domínio pauloaraujo.com.br. Ele por óbvio não tem nada a ver comigo.

    Se considerar conveniente, apague os comentários.

    Seu post é de grande importância pelas informações que traz. Espero que Mansueto comente

    Abs e desculpe o inconveniente da url

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  2. Caro,

    Tenho estudado o mesmo assunto ha algum tempo. Como voce, tambem estou chocado pelos desmandos e incompetencia de nosso Tesouro, mas choca-me mais ainda a pouca atencao dada pela midia especializada e pelos analistas economicos a essa contabilidade criativa envolvendo a venda de patrimonio publico (os recebiveis de Itaipu) para bancar um desconto tarifario que se mostrara fugaz. Aos que acompanham o assunto, a estupefacao. Abs, Marcio.

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  3. Marcio,
    creio que o assunto ainda não chegou na imprensa que cobre mais macroeconomia e finanças. Quem acompanhou mais essa novela é quem pega setor elétrico. Seria bacana se o Cristiano Romero do Valor lesse isso hehe

    PS: Márcio, só tirei meu nome do seu comentário. Estou tentando manter este blog no anonimato pois não sei que repercussão teria no meu trabalho.

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  4. Muito bom! E pode aumentar o valor dessa conta, dado o aumento de 50bps na Selic ontem! Isso tudo estaria mais claro à sociedade se houvesse oposição neste país!

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