quinta-feira, 11 de julho de 2013

governo acena para relicitação de concessões de hidrelétricas paralisadas há anos



(foto: Vale)

No último post, falamos sobre a dificuldade do governo para licenciar novas hidrelétricas. Mas parece que a presidente Dilma tirou uma carta da manga para voltar a oferecer empreendimentos à iniciativa privada em leilões. Mesmo que isso seja por meio da retirada de projetos da própria iniciativa privada.

Vejamos.

Antes de ser criado o novo modelo do setor elétrico, em 2004, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) promovia leilões da concessão de projetos hídricos em que vencia quem oferecesse o maior valor a ser pago aos cofres públicos por meio da cobrança de Uso do Bem Público (UBP). A ideia era viabilizar a construção das usinas e ainda garantir receitas para o Tesouro.

Posteriormente, o marco regulatório estabeleceu que os leilões passariam a ser realizados para suprir a demanda por energia das distribuidoras - que atendem o consumidor final, ou residencial, no mercado regulado. A competição, então, passou a ser por quem oferecia a menor tarifa, para garantir a modicidade tarifária.

Acontece que hoje, em 2013, vemos que muitas das hidrelétricas licitadas pelo modelo antigo não chegaram a sair do papel. Matéria recente do Valor aponta que são cerca de 2 mil MW (mais que a usina de Teles Pires, que está sendo erguida no Mato Grosso) que demandariam R$10 bilhões em investimentos. Os projetos estão na mão principalmente de indústrias que, por terem grande demanda por energia, constroem os projetos para utilizar a geração em benefício próprio. São os "autoprodutores" de energia.

O que travou essas plantas foi justamente o licenciamento ambiental, como dito no post anterior. Foram muitas idas e voltas de documentos, rejeição de estudos pelo Ibama, audiências públicas... algumas chegaram a ser consideradas totalmente inviáveis. Em outros casos, os empreendedores seguem tentando levar a obra adiante. Entre os investidores dessas usinas estão Light e Cemig, de elétricas, e autoprodutores como Alcoa, BHP Billiton, Camargo Corrêa, Vale, Votorantim e Gerdau.

Pelo edital dos leilões, os investidores assumiram o risco ambiental e, por isso, precisariam passar a pagar a UBP já no ano passado, independente de a usina estar pronta ou não. As empresas tentaram negociar, mas a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe o governo de abdicar de receitas, como é o caso da UBP.

A situação fez com que a Abiape, associação que representa os autoprodutores, e a Apine, que é dos produtores de energia, entrassem na Justiça e conseguissem uma liminar sustando a cobrança.


Mário Menel, presidente da Abiape (reprodução)


As entidades também tentaram colocar emendas parlamentares em medidas provisórias editadas recentemente - como a MP 579, que renovou as concessões do setor elétrico - para recompor o prazo do contrato de concessão dessas hidrelétricas, de modo a tornar financeiramente viável a continuidade dos projetos.

Tais propostas foram negadas pelo governo, que agora deu um ultimato para esses investidores na Lei 12.839, resultante da Medida Provisória 609/2013. 

 Art. 4º-A.  Os concessionários de geração de aproveitamentos hidrelétricos outorgados até 15 de março de 2004 que não entrarem em operação até 30 de junho de 2013 terão o prazo de 30 (trinta) dias para requerer a rescisão de seus contratos de concessão, sendo-lhes assegurado, no que couber:
 I - a liberação ou restituição das garantias de cumprimento das obrigações do contrato de concessão;
 II - o não pagamento pelo uso de bem público durante a vigência do contrato de concessão;
 III - o ressarcimento dos custos incorridos na elaboração de estudos ou projetos que venham a ser aprovados para futura licitação para exploração do aproveitamento, nos termos do art. 28 da Lei no 9.427, de 26 de dezembro de 1996.
 § 1o  O poder concedente poderá expedir diretrizes complementares para fins do disposto neste artigo.
 § 2o  A fim de garantir a condição estabelecida no inciso II do caput, fica assegurada ao concessionário a devolução do valor de Uso de Bem Público - UBP efetivamente pago e ou a remissão dos encargos de mora contratualmente previstos.”

Na prática, é uma alternativa para que as empresas devolvam as concessões, que poderiam então ser relicitadas e apaziguar a dificuldade do governo de obter licenciamento ambiental para novas usinas.

A Abiape afirma que algumas dessas hidrelétricas estão mais próximas de obter aval dos órgãos ambientais, como Santa Isabel (no rio Araguaia). A UHE Itaocara, que pertence a Light e Cemig, já até possui o documento - estaria pronta para ir a leilão hoje.

É preciso ver se daria tempo de colocar esses projetos no leilão A-5. Mas é certo que eles atrairiam grande interesse dos investidores e competição. Isso porque as empresas que normalmente já participam dos leilões estão de olho em novas oportunidades. Ao mesmo tempo em que os autoprodutores que originalmente construiriam essas usinas terão interesse em fazer parte de consórcios na disputa para poder usar parte da energia que elas gerarão.

(Mas algumas dessas usinas podem continuar pelo caminho. Santa Isabel, por exemplo, seria construída na região onde aconteceu a Guerrilha do Araguaia - e a suspeita de que corpos de guerrilheiros esteja em sua área de alagamento pode inviabilizá-la. Outras, como a UHE Baú, já foram colocadas como inviáveis pelo Ibama).

PS: Em tempo: a Lei 12.839 também autoriza oficialmente o uso de recursos do Tesouro para bancar a redução das tarifas de energia prometida pelo governo, como já adiantado aqui (Contabilidade criativa: a bola de neve bancada pelo Tesouro para reduzir as contas de energia).

Nenhum comentário:

Postar um comentário