quarta-feira, 31 de julho de 2013

O FI-FGTS e o Grupo Rede, a Eletrobras e a Celpa: intervenções erradas levam a prejuízo


Em novembro de 2009, o Valor Econômico descrevia o Grupo Rede - conglomerado de nove distribuidoras de energia que pertence ao empresário Jorge Queiroz - como companhia com "dívidas que chegam a R$5 bilhões" e "um passivo que se eleva a R$9 bilhões se consideradas outras obrigações". A chamada era chamativa: a holding "busca saídas para sobreviver".

Dentre as concessionárias que pertenciam à empresa, a Celpa, do Pará, era vista como em situação mais preocupante. A Equatorial Energia, dona da CEMAR, do Maranhão, tinha interesse em comprá-la. Pertencente a um grupo de investidores especializado em recuperar companhias, a Equatorial tinha comprado a CEMAR por R$1 real e a transformado em um bom negócio. Queria fazer o mesmo com a já cambaleante Celpa.

As notícias dão conta de que o governo empacava o negócio, uma vez que possuía participação de 34% na Celpa por meio da Eletrobras, além de uma fatia relevante no Grupo Rede através do BNDESPar.

Ao invés de deixar a Celpa ser vendida para fazer caixa e aliviar as dívidas do Grupo Rede, o governo decidiu aportar R$600 milhões na holding. A operação foi feito com a compra, pelo fundo de investimentos do FGTS, o FI-FGTS, de uma participação no Rede por R$600 milhões. Havia empresas do setor elétrico, com grande expertise, de olho em uma fatia no Rede, mas o fundo de pensão resolveu ousar.


Alguns anos depois, em fevereiro de 2012, a Celpa entrou com pedido de recuperação judicial. O Ministério Público, ao auditar a situação da empresa, viu indícios de que a má gestão de Jorge Queiroz, controlador do Rede, levou à deterioração da concessionária. Um dos motivos teria sido a descapitalização e falta de investimentos da empresa, que tinha o lucro todo distribuído para os acionistas.

O que aconteceu a seguir foi o que o governo tinha antes evitado. A Equatorial ficou com a Celpa. Mas por apenas R$1. E a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) precisou dar várias mamatas para que a empresa tomasse o risco do investimento. Multas por má qualidade do serviço, por exemplo, poderão ser trocadas por investimentos.

Em agosto de 2012, não muito depois da queda da Celpa, foi a vez de a ANEEL declarar intervenção em todas distribuidoras que restavam ao Grupo Rede. A agência estava preocupada com a situação financeira da holding, que poderia quebrar, e com a falta de caixa das empresas para investir.

Em novembro, o Grupo Rede entrou com pedido de recuperação judicial. Quando a Celpa fizera o pedido, o governo fora abalado com o súbito evaporar do valor de seu investimento feito na empresa via Eletrobras e com o calote em dívidas da concessionária com bancos públicos e com o setor elétrico.

Jorge Queiroz: truque jurídico por recuperação judicial


Em decorrência disso, foi criada rapidamente uma lei impedindo que distribuidoras de energia entrassem em recuperação judicial. Mas Jorge Queiroz fez uma manoba e foi à Justiça com a holding, uma empresa que não detém diretamente nenhuma concessão de energia.

Hoje, a Eletrobras espera que a Equatorial resolva o problema da Celpa, que nos últimos anos se tornou mais um peso em seu balanço. E o FI-FGTS vai precisar torcer pelo novo dono do Grupo Rede. Quase em processo de liquidação, a empresa chamou a atenção de CPFL e Equatorial, que chegaram a firmar acordo de exclusividade com Jorge Queiroz. Mas deve ficar com a Energisa, que atravessou a negociação e conquistou preferência ao oferecer mais dinheiro aos credores.

O futuro, porém, ainda é incerto, uma vez que CPFL e Equatorial tinham caixa para fazer o negócio e capacidade para se alavancar e investir, enquanto a Energisa precisaria buscar recursos no mercado para bancar a transação.

Seria muito dizer que, se o governo não tivesse agido na ânsia de intervir no setor elétrico e "salvar" empresas por meio de Eletrobras e fundos de pensão, Celpa e Grupo Rede poderiam já estar nas mãos do setor privado? Talvez mal tivessem chegado a quebrar e, mesmo que tivessem, isso não teria resultado em prejuízo para a Eletrobras e o FI-FGTS.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

O buraco sem fundo do setor elétrico: faltam mais de R$20 bilhões


Para cumprir a promessa feita em cadeia nacional de rádio e televisão pela presidente Dilma Rousseff, de reduzir em cerca de 20% as tarifas de energia do País, o governo se enrolou em uma confusão sem fim e agora enfrenta um rombo de entre R$20 bilhões e R$25 bilhões - ainda sequer está claro o valor total.

O número foi levantado por este blog com base em dados públicos do Ministério de Minas e Energia, da Eletrobras e da Agência Nacional de Energia Elétrica. Todos podem ser facilmente checados pela internet.

Vamos por partes.

Em 11 de setembro, a presidente Dilma assinou a Medida Provisória 579, que propunha a renovação de contratos de concessão de hidrelétricas e linhas de transmissão antigas que venceriam entre 2013 e 2017. Como condição para renovar os acordos, as empresas deveriam aceitar uma remuneração menor. Em troca, seria oferecida uma indenização pelos ativos considerados ainda não totalmente amortizados. Essa indenização seria paga com recursos da RGR - um fundo do setor elétrico criado justamente para compensar eventuais reversões de contratos.

No final, algumas empresas negaram os termos oferecidos, por não serem financeiramente compensadores. Cesp, Cemig e Copel, por exemplo, se negaram a aceitar a prorrogação de suas concessões de geração. E, assim como a CTEEP, só aceitaram a renovação para transmissão depois que o governo resolveu aumentar as indenizações oferecidas.

Assim, as compensações a serem pagas com a RGR somaram cerca de R$5,9 bilhões para geração e algo como R$12,96 bilhões para transmissão. Nesse montante, porém, não entrou o valor extra prometido para convencer as transmissoras - que é estimado entre R$10 bilhões e R$15 bilhões. O total de indenizações a ser pago totaliza, então, algo entre R$28,8 bilhões e R$33,86 bilhões.

Acontece que a RGR possuía, em janeiro deste ano, somente R$15,2 bilhões.Outro fundo do setor elétrico, a CDE, somava outros R$2,4 bilhões, em um total de R$17,6 bilhões.

O Tesouro já previa, na época, usar créditos que tinha a receber da hidrelétrica binacional de Itaipu, no valor de cerca de R$4 bilhões anuais, para cobrir o que faltasse. A União tem cerca de US$15 bilhões a receber da usina até 2023.


Acontece que a não renovação das concessões por CESP, Cemig e Copel resultou em uma falta de contratação de energia nas distribuidoras, que precisaram comprar energia no mercado spot a preços elevados. Para que as tarifas não voltassem a subir, o governo resolveu usar dinheiro da CDE e, se preciso, créditos de Itaipu para cobrir as despesas das empresas no mercado spot.

Então outro imprevisto apareceu: o período úmido, no final de 2012, não teve chuvas o suficiente para encher os reservatórios das hidrelétricas. Para evitar o risco de racionamento, o governo precisou ligar todas termelétricas do País. Muitas dessas usinas possuem custos exorbitantes de operação. Mas como a população ia entender a tarifa subindo logo depois da redução anunciada por Dilma? A solução foi apelar novamente para a CDE.

Segundo dados da ANEEL, esses desembolsos da CDE somam R$9,2 bilhões até julho deste ano. O montante se soma às indenizações para geradoras e transmissoras, elevando a conta total para garantir as tarifas mais baixas para algo entre R$38 bilhões e R$43 bilhões. Enquanto, como já vimos, os créditos nos fundos do setor elétrico, RGR e CDE, somavam R$17,6 bi em janeiro.

Pelos dados de maio, os mais recentes disponibilizados pela Eletrobras, a RGR já pagou R$9,3 bi em indenizações e agora tem um saldo de R$6,4 bi. Já a CDE conta com somente R$222 milhões, pois já gastou R$1,28 bi para compensar o custo das termelétricas, R$550 milhões para "modicidade tarifária" e R$30 milhões para compensar a não adesão de Cesp, Cemig e Copel à MP 579.

O total de desembolsos dos fundos é de R$11,24 bilhões, o que faz com que ainda existam entre R$26,76 milhões e R$31,76 bilhões a serem pagos - entre indenizações pela MP 579 e compensações via CDE. O déficit, nesse caso, é de algo que pode ir de R$20,14 bilhões e R$25,14 bilhões.



Segundo reportagem do Estado de S. Paulo desta segunda (29), "o governo federal não tem mais recursos em fundos setoriais para as indenizações" e já usou, em maio, R$2,5 bilhões da RGR para capitalizar a CDE. A transação ainda não aparece nos dados da Eletrobras, que mostram apenas o saldo em maio, sem as entradas e saídas de recursos.

Na segunda passada (22), o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o governo não iria mais usar os recebíveis de Itaipu para capitalizar a CDE, que teria os gastos bancados com "despesa primária" a partir de agora. A intenção é "melhorar a transparência e a solidez das contas públicas".



O Tesouro, então, irá bancar esses montantes, entre R$20 bi e R$25 bi? Há o detalhe de que as indenizações para transmissão poderão ser parceladas, o que reduz a conta à vista, mas segue o rombo no orçamento.

Vale a pena ver de novo. 


Questionado sobre o assunto nesta segunda (29), o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (homenageado em nosso post anterior), disse que o governo poderá utilizar recursos do Tesouro para saldar o déficit caso não haja recursos nos fundos setoriais. Mas apontou que isso é de competência da ANEEL. "A Aneel vai estudar se tem recurso, se não tiver faremos de outra forma”, explicou o ministro aos jornalistas.

Faltou dizer: embora muitas usinas mais caras tenham sido desligadas, a geração térmica ainda custará cerca de R$400 milhões por mês - provavelmente até perto do final do ano. A serem pagos pela CDE - ou pelo Tesouro.

Atualização: a ANEEL acaba de aprovar, em 30/7, a destinação de mais R$1 bilhão em recursos da CDE para cobrir a conta das distribuidoras de energia com a compra de energia térmica. Parece que a fatura do governo não tem fim.

Faça as contas você mesmo:
- Dispêndios CDE - Aneel
- Movimentação RGR - Eletrobras
- Movimentação CDE - Eletrobras



domingo, 28 de julho de 2013

Edison Lobão, entre padrinhos santos e gafes no setor elétrico

Santo Edison


Reportagem do TV Folha na noite deste domingo (28/7) mostrou que José Sarney tem mantido com dinheiro público uma fundação dedicada a preservar o patrimônio e a memória de sua família. No acervo do instituto, quadros que retratam os Sarney e aliados políticos como santos. Entre eles, Edison Lobão, que aparece quase como um Frei Galvão, o santo brasileiro.

Advogado de formação e jornalista de profissão, o maranhense Edison começou a carreira política como deputado federal pelo ARENA, o partido da ditadura militar. Em 2008, quando era senador pelo PMDB, foi indicado pelo presidente Lula para o cargo de ministro de Minas e Energia. Assumiu no lugar de Silas Rondeau, também do PMDB, que era investigado por denúncias de corrupção. Na época, negou boatos de que a ex-ministra da pasta, Dilma Roussef, fosse contrária à sua nomeação. "Ela inclusive disse ter apreço por mim", apontou. Ele também tratou de rebater acusações de que não teria conhecimento técnico suficiente para o posto e disse que outros ministros de caráter político já haviam passado pelo MME.

Telegramas da embaixada americana obtidos pelo Wikileaks apontam que Lobão é "um ex-jornalista e político sem experiência na área de energia, em particular, que se comprometeu a se cercar de especialistas no assunto". O ministro é aliado de longa data de José Sarney, ex-presidente e senador que é um "coronel" do setor elétrico, uma vez que tem, tracidionalmente, nomeado ministros de Minas e Energia e diretores da Eletrobras. Ao sair do Senado para virar chefe do MME, deixou em sua vaga o filho, Edison Lobão Filho, também do PMDB.

Em setembro de 2012, quando a presidente Dilma Rousseff anunciou a Medida Provisória 579, que trazia uma série de complexas medidas para reduzir as contas de energia no Brasil, foi possível ver o quadro de "especialistas no assunto" de que tratava a embaixada americana. Na coletiva de imprensa para explicar as mudanças regulatórias, Lobão fez somente o discurso de abertura. Ao seu lado, encontravam-se diretores da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) - Nelson Hubner e Romeu Rufino -, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e do próprio MME. 

Quando começaram as perguntas, Lobão saiu de cena - disse que precisava assinar documentos relativos à própria MP. Durante todo o dia, a equipe foi bombardeada por jornalistas ávidos por encontrar "furos" nas novas leis. À frente das respostas mais espinhosas ficaram o secretário-geral do MME, Márcio Zimmermann, um engenheiro com longa carreira na Eletrobras e considerado "homem forte" de Dilma no setor; e o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, que tem ampliado sua influência junto à presidente e hoje dá pitacos em diversos setores, e não somente nos cofres públicos.

Os três chefes: Zimmermann, Lobão (meio) e Augustin


A saída de Lobão pode ter poupado o governo de algumas gafes. Logo ao entrar no ministério, ainda em 2008, ele disse que o governo tinha um plano para construir 50 usinas nucleares ao longo dos próximos 50 anos - uma por ano, em um total de cerca de 60 mil MW. Além disso, outras quatro usinas da fonte começariam a sair do papel imediatamente. 

O Brasil demorou anos para concluir suas primeiras usinas, de Angra 1 e Angra 2, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, e ainda luta para terminar a obra de Angra 3. Essa última, paralisada em 1986, teve a retomada anunciada em 2008 e concretizada em 2010. O cronograma previa operação em 2015, mas a data passou para 2016 e, agora, prevê-se o fim apenas para 2018.

No mesmo dia da fala de Lobão, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, tratou de ir a público afirmar que tinha "uma boa relação" com o companheiro de governo, mas que o plano não parecia factível e era apenas "uma posição pessoal" de Edison.

No ano seguinte, em meio à dificuldade do governo para tirar do papel a polêmica hidrelétrica de Belo Monte, combatida por índios e ONGs, Lobão disse que tinha a "sensação de que existem forças demoníacas puxando para baixo o país", e impedindo a usina de ser construída. Em seguida, foi forçado a se retratar junto aos índios, que se sentiram ofendidos com o comentário, amplamente interpretado como um recado aos opositores do projeto. 

Índios: "declarações ofensivas" de Lobão


Na mais recente das gafes, em junho deste ano, o ministro disse, sem detalhes, que estava "procurando adiantar todo o processo de outras hidrelétricas e termelétricas para garantir que não haverá nenhum impacto no fornecimento de energia". No mesmo dia, o MME enviou nota à imprensa para explicar que a fala do ministro não implicaria em novos leilões de energia. A pasta também não explicou a que ele se referia quando falou aos jornalistas.

Enquanto isso, o que se comenta nos bastidores do setor é que os nomes mais fortes do setor elétrico são o de Márcio Zimmermann, considerado conservador e defensor da força estatal no planejamento; e de Valter Cardeal, diretor de geração da Eletrobras e mais que amigo de longa data da presidente Dilma Rousseff. O acadêmico Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) também tem grande prestígio no meio e ocupa o mesmo posto desde a reforma do setor comandada pelo PT em 2004. 








terça-feira, 23 de julho de 2013

Montante a ser aportado pelo Tesouro para garantir energia barata equivale ao corte extra de despesas prometido pelo governo

Guido Mantega: leitor voraz do Análise Energia

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou nesta segunda-feira (22) que fará aportes diretos do Tesouro para bancar a redução das contas de energia prometida pela presidente Dilma Roussef no ano passado. Até então, essa despesa vinha sendo bancada por meio de uma transação em que o BNDES adiantava para o governo os recebíveis que a União possui junto à hidrelétrica de Itaipu.

Segundo Mantega, esses recebíveis de Itaipu são de cerca de R$4 bilhões ao ano, considerados uma receita normal do Tesouro. A União receberá recursos da usina até 2023, em um total de cerca de US$15 bilhões.

 A manobra que vinha sendo adotada então era uma operação em que essa receita era adiantada e usada para capitalizar a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um fundo do setor elétrico. Esse fundo distribuída recursos para distribuidoras de energia e para o pagamento de encargos que custeiam a geração de termelétricas.

Como já foi dito por aqui, os gastos da CDE atualmente estão na casa dos R$9,2 bilhões, de acordo com informação disponível no site da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

"Tivemos o ano passado e neste ano uma maior utilização das térmicas, cujo custo da energia é muito mais elevado. Se essa CDE não aportar os recursos, as tarifas sobem. Nesse sentido, estávamos programando que a cobertura dessa conta seria proveniente de recebíveis de Itaipu - inclusive fizemos uma Medida Provisória para isso. Mas estamos mudando o procedimento e vamos aportar recursos para essa conta com despesa primária tradicional. Dessa forma vai ser um aporte direto do Tesouro para a CDE", explicou Mantega, em coletiva de imprensa.

O objetivo, segundo o ministro, é "buscar melhorar a transparência e a solidez das contas públicas". Mantega não comentou mais sobre esse ponto, mas o mercado financeiro e a imprensa têm criticado a "contabilidade criativa" da política fiscal do governo, que estaria maquiando gastos e fazendo manobras para manter o superávit primário.

Termelétricas: caras e poluentes, mas evitaram um possível racionamento.

Segundo Mantega, o próximo aporte na CDE, já bancado pelo Tesouro, será de R$400 milhões. O montante deve ser menor do que nos meses anteriores porque já foi autorizado o desligamento de 38 de usinas térmicas a óleo, que eram as mais caras das que estão despachadas (quatro em maio e 34 em julho). A estimativa é de que somente esse último desligamento economize R$1,4 bilhão por mês.


COMO FICA O SUPERÁVIT?
Faltam, no entanto, responder algumas perguntas. Quando do uso dos recebíveis de Itaipu, a ideia era cobrar o montante aportado dos consumidores. Isso seria feito de forma diluída, ao longo de cinco anos. Essa ideia continua de pé?

A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, que participou do anúncio, disse que "o superávit primário está garantido com o contigenciamento extra de R$10 bilhões. Mantega afirmou que esse é "um esforço adicional para buscar um resultado fiscal mais satisfatório".

Com as medidas, o superávit seria elevado em 02,1% do PIB, dos atuais 1,3% para 1,5%, segundo o Valor Econômico. Para chegar à meta, de 2,3%, Estados e municípios precisariam fazer uma economia de 0,8% do PIB, o que é questionado por especialistas ouvidos pelo jornal, que acreditam ser difícil acreditar no esforço de governos e prefeituras nesse sentido.

O Valor também questiona "dúvidas sobre a consistência do corte", uma vez que serão reduzidos R$4,4 bilhões nos gastos com a compensação à Previdência de desonerações da folha de pagamentos. Para o veículo, em matéria de Ribamar Oliveira, "o corte é compensado pela receita menor que não entra no cofre do INSS", assim, "não pode ser apresentado como ajuste adicional".



Desde janeiro de 2013 até o momento, foram homologados os seguintes montantes de repasse:
Dispêndios da CDE acumulados até julho de 2013
Subsídios TarifáriosR$ 2.995.830.914,72
Redução Tarifária EquilibradaR$ 322.105.878,81
CVA de Energia e de ESSR$ 1.899.704.183,63
Exposição Involuntária, ESS e Risco HidrológicoR$ 4.032.178.506,47

Total                                                            R$ 9.249.819.483,62

Para ter acesso às informações detalhadas dos dispêndios homologados pela ANEEL, bem como os atos regulatórios que os aprovaram, consulte os documentos abaixo:
 

 Subsídios Tarifários e Redução Equilibrada
 Exposição Involuntária, ESS e Risco Hidrológico
  CVA de Energia e de ESS
(Nossa tabela favorita - via ANEEL)

Além disso, eu acrescentaria uma dúvida. O governo está anunciando cortes, mas, ao mesmo tempo, despesas, já que a CDE será bancada pelo Tesouro. E os R$9,2 bilhões consumidos pela conta já praticamente equivalem ao "corte" anunciado. Isso está sendo levado em conta?

segunda-feira, 22 de julho de 2013

O "grande negócio" da Eletrobras e da Caixa no Amapá

Em 31 de dezembro de 2012, "tendo em vista as manifestações da Secretaria do Tesouro Nacional e da Procuradoria-Geral da Fazenda", o governo publicou no Diário Oficial uma autorização para que a Caixa Econômica Federal empreste R$1,4 bilhão ao governo do Amapá. Os recursos têm como destino o "saneamento econômico-financeiro" da Companhia de Eletricidade do Amapá, a CEA.

Antes, em novembro, a Eletrobras - controlada pelo governo federal, dono da Caixa - havia assinado um protocolo de intenções para "federalizar" a CEA.

Sorrisos na assinatura de acordo para que Eletrobras assuma a CEA


Segundo um ranking elaborado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), o órgão regulador do setor elétrico brasileiro, a CEA era em 2012 a segunda pior distribuidora do país entre as companhias de menor porte. Perde apenas para a Iguaçu, que abastece alguns municípios de Santa Catarina.

A CEA está sediada no Macapá, capital do Amapá, e tinha o governo local como controlador. Tinha, porque a empresa, que atende cerca de 170 mil unidades consumidors e fatura algo como R$350 milhões por ano, já teve aprovado pela ANEEL um pleito para que a gestão passe a ser compartilhada com a Eletrobras.

Segundo o presidente da CEA, José Ramalho de Oliveira, a empresa só deve voltar a ter lucro em 2017. Assim, a "aquisição" não deve melhorar o balanço do braço de distribuição da Eletrobras, que controla Amazonas Energia, Ceal, Cepisa, Ceron, Boa Vista Energia e Eletroacre. Essas concessionárias acumularam prejuízo de R$1,33 bilhão em 2012.

SITUAÇÃO COMPLICADA
O contrato de concessão que colocou a CEA como responsável por fornecer energia para o Amapá foi prorrogado por 20 anos em 1995. Mas o documento nunca chegou a ser oficialmente assinado. Desde então, a própria Procuradoria Federal na ANEEL admite que a empresa está num "estado imperfeito ou precarizado, pela não formalização" do contrato.

Mas antes o problema da CEA fosse só o contrato em branco. Até o início de julho, a empresa tinha uma dívida de R$359 mil com o Ministério de Minas e Energia e outra de R$1,35 bilhão com a Eletronorte - que pertence à Eletrobras. Há, ainda, outros R$75 milhões em dívidas com o setor elétrico. Pelas regras da ANEEL, empresas inadimplentes ficam proibidas de reajustar as tarifas. Com isso, a CEA pratica a mesma tarifa desde 2004 - o que, obviamente, cria um "buraco negro" ainda maior nas contas da empresa.

Edvaldo Santana, da ANEEL: situação só piorou


No dia 16 de julho, a ANEEL aprovou a "gestão compartilhada" da CEA pela Eletrobras e pelo governo do Amapá. Mas as negociações ainda não terminaram, uma vez que a Eletrobras pretendia ficar com a totalidade ou quase totalidade da empresa. Mesmo tendo a empresa salva com dinheiro federal, o Amapá vem batendo o pé para seguir com uma participação de 20% na CEA.

Ao analisar o caso, o diretor da ANEEL Edvaldo Santana lembrou que agência recomendou ao Ministério de Minas e Energia, ainda em 2007, que fosse declarada a caducidade da concessão. Com isso, seria feito um leilão para encontrar uma nova empresa que aceitasse administrar a rede de energia do Amapá.

Na época, a CEA tinha dívidas de cerca de R$286 milhões e já sofria, segundo Santana, com "patrimônio negativo por sucessivos prejuízos, sistemática inadimplência com fornecedores e perdas de energia insustentáveis". Ainda assim, o diretor da ANEEL disse que "não se percebeu nenhuma melhoria na situação" desde então.

Assim, Santana admitiu que não via "nenhuma alternativa" que não aceitar a gestão compartilhada com a Eletrobras, destacando que a estatal era ela mesma uma credora da CEA. O diretor também apontou que segue em vigor a recomendação para que o governo acabe com a concessão da empresa. "É importante deixar claro que tal decisão não está sendo revista".

SITUAÇÃO INSUSTENTÁVEL
A inexplicável falta de ação do Ministério de Minas e Energia quanto à CEA tornou a situação da empresa mais do que insustentável. Não só para ela, mas para o setor elétrico brasileiro como um todo.

Juro que não sei o que esta imagem está fazendo neste texto...

O Amapá não fazia parte do Sistema Interligado Nacional - a rede de linhas de transmissão que liga quase todos Estados do País, exceto a região Norte, conhecida como "Sistemas isolados". Com a construção de um linhão de energia que passa por Tucuruí (PA), Manaus (AM) e Macapá (AP), a região passaria a fazer parte do SIN.

A questão é que, para receber esse linhão, a CEA precisaria investir em reforços na rede local. E a empresa, é claro, não tinha a mínima condição de fazer os aportes necessários, o que apressou a busca por uma "solução" dentro do governo.

Segundo o governador do Amapá, Camilo Capiberibe, a CEA usará R$1,2 bilhão do empréstimo obtido com a Caixa para quitar dívidas. Outros R$200 milhões vão viabilizar as obras na rede.

Outra dor de cabeça vinha sendo causada pela CEA em leilões para a contratação de energia. Prevendo que seria conectada ao sistema, a empresa participou de certames que contrataram antecipadamente a geração de usinas eólicas e hidrelétricas. Após esses leilões, os investidores responsáveis pelos projetos de usinas usam os contratos assinados com os compradores para obter financiamentos junto ao BNDES.

Mas o "nome sujo" da CEA e o fato de que a empresa sequer possui contrato de concessão assinado fizeram com que a mera presença dela na lista de compradores da energia travasse a concessão dos empréstimos. A ANEEL precisou intervir e excluiu a empresa dos leilões dos quais ela havia participado, dividindo a energia comprada por ela entre outras empresas participantes das licitações.


E AS CONTAS
Como já foi dito aqui, a CEA está com a tarifa congelada desde 2004, o que coloca ainda outra pulga atrás da orelha da ANEEL. Isso porque a empresa está na iminência de pagar suas dívidas setoriais, com a entrada da Eletrobras e o dinheiro da Caixa. Caso isso aconteça, a recomposição da tarifa da concessionária representaria um aumento médio de 133% nas contas para os consumidores do Amapá.

A ANEEL já aponta que, caso a companhia se regularize, será preciso analisar uma solução para "minimizar os impactos" para os clientes.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

o descaso com as agências reguladoras; a saída de julião coelho da ANEEL; e a captura do regulador

Indicado por Lobão, Coelho, 31, foi mais jovem a alcançar a diretoria da ANEEL

O advogado Julião Coelho, diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), decidiu antecipar o término de seu mandato, que estava marcado para 22 de dezembro. Desde 23 de julho* ele não ocupa mais o cargo. A diretoria da Aneel tem cinco profissionais, indicados pelo governo, que analisam processos referentes ao mercado de energia, o que inclui a votação de regras do setor e tarifas a serem praticadas. Mas, com a saída de Coelho, o colegiado ficará com apenas três diretores.

O mineiro Nelson Hubner, que ocupava a diretoria-geral, deixou sua vaga em 11 de março devido ao vencimento do mandato. Ele disse que foi chamado pela presidente Dilma Rousseff para continuar à frente da agência, mas quis ficar mais "tranquilo", como disse ao Estadão. Depois de uma temporada de "férias", vai voltar como "consultor".

Rufino entrou na Aneel em 1998, como superintendente de área técnica

O problema de a ANEEL ficar com apenas três diretores é que, na verdade, são apenas dois. O diretor-geral, Romeu Rufino, não pode conduzir e relatar processos. Assim, André Pepitone e Edvaldo Santana, os diretores que restam, estão com uma carga bem maior de trabalho nos últimos tempos.

Ainda não circularam pelo mercado e pela imprensa especulações sobre nomes para ocupar as vagas deixadas por Nelson Hubner e Julião Coelho.

Um dos diretores restantes, Edvaldo Santana, tem mandato somente até o final deste ano. Com isso, o governo tem oportunidade para, se quiser, mudar a cara do órgão regulador em um curto espaço de tempo.

COELHO AGRADAVA MERCADO

Desde parte do ano passado existe um "racha" velado na diretoria da ANEEL. Julião Coelho e Edvaldo Santana são vistos como "confiáveis" pelo mercado devido ao perfil técnico de suas decisões. Hubner era tido pelo setor como mais político.

Coelho, que irá estudar nos Estados Unidos, já externava publicamente sua insatisfação com a interferência do governo no setor elétrico, com a adoção de medidas antes de serem realizadas audiências públicas de debate, como é tradição na ANEEL. Isso aconteceu com um pacote de regras para o mercado livre de energia e com a renovação das concessões de hidrelétricas e linhas de transmissão que resultou na redução das tarifas a partir de janeiro.

No caso das concessões, Coelho já havia garantido, em entrevista ao Jornal da Energia, que as regras para a renovação passariam por audiência publica. Mas o governo criou um grupo de trabalho para tocar a questão, no qual estavam apenas Nelson Hubner e Romeu Rufino. A ANEEL, como reguladora, não participou da discussão prévia das medidas - foi apenas responsável por sua implementação.

ABANDONO NOS REGULADORES?


Ainda não se sabe quanto tempo os cargos de Coelho e Rufino ficarão vagos. O governo ainda não se manifestou e, quando o fizer, terá que submeter os candidatos a uma sabatina no Senado.

Mas a lentidão do governo para preencher as vagas em agências reguladoras tem sido recorrente. E não só no âmbito federal. No Estado de São Paulo, do tucano Geraldo Alckmin, a reguladora local, ARSESP, está com somente dois diretores. O colegiado tem cinco vagas, sendo que pelo menos três precisam estar preenchidas para que processos possam ser deliberados. Já existe um indicado, que ainda não assumiu, mas as outras duas posições seguem sem dono.

A paralisia na ARSESP fez com que a Sabesp precisasse avisar publicamente que seu processo de reajuste tarifário, previsto para agosto, está suspenso.

REGULADORES CAPTURADOS PELO MERCADO

É sabido que, no caso de regulação, existe o risco de o regulador ser capturado pelo regulado. Não vamos entrar no mérito das decisões da ANEEL aqui - analisar se ela favorece mais o mercado ou mais os consumidores. Mas o fato é que o primeiro diretor-geral da ANEEL, José Mário Abdo, hoje possui uma consultoria especializada no setor.  O segundo, Jerson Kelman, foi presidir a Light (hoje já não ocupa o cargo). O terceiro e mais recente, Hubner, já disse que pretende trabalhar com consultoria.

Um diretor da ANEEL ganha entre R$7 e R$23 mil reais, segundo informações do Portal da Transparência. Em uma consultoria, pode tirar muito mais. Há outros ex-diretores da ANEEL que hoje atuam como consultores. E outros são membros, ou até presidentes, de associações que defendem o interesse de agentes que trabalham no setor elétrico, como Abrace (reúne grandes consumidores, como a indústria) e Abraceel (dos comercializadores).

Claro que não estou aqui fazendo nenhuma insinuação contra nenhum deles, mas apenas levantando o risco moral envolvido.

PS: correção no dia da saída do diretor Julião Coelho; embora o site da ANEEL apontasse a saída para dia 10, ele participou da reunião de diretoria do dia 22,

segunda-feira, 15 de julho de 2013

eletrobras: demissões, reajustes, perdas e ironias.

Márcio Zimmermann: "Vocês estão....demitidos!"

Os tempos na Eletrobras não estão fáceis. Em maio deste ano, o Conselho de Administração da companhia aprovou um Plano de Incentivo ao Desligamento (PDI). A estatal esperava ter até 5 mil adesões, das quais, até o momento, cerca de 4 mil foram concretizadas. O Conselho é presidido por Márcio Zimmermann, considerado um dos homens de confiança da presidente Dilma no setor elétrico.

Os 5 mil dispensados da Eletrobras representariam 18% da força de trabalho da companhia, que é de 28 mil pessoas. A medida faz parte de planos para reduzir os custos em 30% nos próximos três anos. Os desligamentos, porém, também serão custosos: devem absorver entre R$1,5 bilhão e R$2 bilhões. A empresa espera que o "retorno" do gasto se dê em "cerca de um ano".

O corte

O estopim para as demissões na Eletrobras foi o anúncio, pelo governo federal, da redução das tarifas de energia em cerca de 20%. A medida, anunciada pela presidente Dilma em cadeia nacional de TV, foi bancada principalmente pela Eletrobras, que aceitou reduzir a receita proveniente de hidrelétricas e linhas de transmissão de energia antigas que estavam sob sua administração.

Os contratos de concessão desses ativos venceriam entre 2015 e 2017, mas o governo ofereceu renová-los antes com tarifas baixas para tentar dar maior competitividade à indústria e segurar a inflação. (Até pouco tempo antes, Márcio Zimmermann dizia que não havia pressa em tratar do assunto, uma vez que os contratos estavam longe de vencer).

Depois de aceitar a renovação nos termos propostos (outras empresas, como Cesp, Copel e Cemig negaram as condições ofertadas para as hidrelétricas e aceitaram apenas para a área de transmissão), a Eletrobras viu seu valor em bolsa despencar. A estatal reportou prejuízo líquido de R$10,5 bilhões no quatro trimestre de 2012 e de R$36 milhões no primeiro tri deste ano. A perda de receita é estimada em 70%.


A greve

É neste contexto que os empregados da estatal decidiram entrar em greve por tempo indeterminado a partir desta segunda-feira (15/7) por uma reposição salarial de 6,88% - inflação, calculada pelo Dieese -  e um ganho real de 4,3%, que seria o aumento no consumo de energia residencial no Brasil. A Eletrobras ofereceu reajuste de 6,5%, referente ao IPCA.

O sindicato da empresa calcula que entre 80% e 90% dos funcionários estejam parados.

Os representantes dos funcionários também protestam contra os cargos de confiança. Segundo eles, esse tipo de contratação, sem concurso público, engloba empregados que teriam um custo em torno de R$1,2 milhão ao ano.

As indefinições

Antes de o governo decidir pela redução das tarifas a Empresa de Pesquisa Energética, um órgão de planejamento do Ministério de Minas e Energia, admitia que o futuro da Eletrobras estava em discussão. O presidente da EPE, Mauricio Tolmasquim, dizia que caso as concessões de hidrelétricas e linhas de transmissão não fossem renovadas a empresa ficaria sem ativos, mas com uma estrutura imensa de funcionários para trás. No final, a empresa ficou com os ativos. Mas, como estes terão uma remuneração ínfima, os funcionários é quem darão adeus.

O Instituto Ilumina, que reúne especialistas no setor elétrico que já foram ligados ao PT, critica o desmonte da Eletrobras. Um dos aspectos que mais preocupa a entidade é a demissão de veteranos, já que o foco do PDI está nos profissionais com mais de 20 anos de casa. Eles acreditam que a estatal pode sofrer futuramente com a perda de experiência e know-how.

Investimentos?

Apesar de todas dificuldades, o Plano Diretor de Negócios e Gestão da Eletrobras, lançado em abril, tem como meta investimentos de R$52,4 bilhões até 2017. Desse montante, R$20,3 bilhões são para novos projetos.

Apesar das previsões de grande magnitude, o Valor Econômico reportou que a empresa precisou pegar um empréstimo do BNDES, de R$2,5 bilhões, como capital de giro para 2013. Ms o valor também foi usado para pagar aos acionistas - entre os quais a própria União e o BNDES - uma dívida antiga referente a dividendos que haviam ficado retidos por anos.

Os números elevados que envolvem a Eletrobras mostram sua importância na expansão do sistema. Quando o governo Lula implantou um novo marco regulatório para o setor elétrico, em 2004, a intenção era também transformar a Eletrobras em "uma Petrobras". A empresa é sócia dos principais projetos hidrelétricos em construção no País: as usinas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira (RO); Teles Pires, no rio de mesmo nome (MT); e o mega empreendimento de Belo Monte (PA).

Consultores que acompanham o setor elétrico, como Claudio Sales, do Instituto Acende Brasil, chegavam a reclamar de que a empresa praticava "taxas patrióticas de retorno" e restringia a participação do capital privado em prol de reduzir as tarifas nos leilões promovidos pelo governo.


Recordar é viver
Em julho de 2009, em meio à crise internacional, a Vale já havia demitido cerca de 2 mil de seus 62 mil funcionários (dos quais 46,6 mil trabalhavam no Brasil). A atitude fez com que o governo orquestrasse um movimento junto aos principais acionistas da mineradora para derrubar o presidente da companhia. Roger Agnelli saiu em abril de 2011, mesmo enquanto entregava resultados recordes.

(Roger Agnelli: "Obrigado Deus por me livrar dessa antes do fim do boom das commodities")


 Embora a Vale seja hoje uma empresa privada, o governo usou a influência que tem junto ao Bradesco - que não gosta de entrar em brigas políticas - e aos fundos de pensão, que também possuem fatia importante na empresa.

domingo, 14 de julho de 2013

A disputa pelo Grupo Rede Energia


Recentemente, assistimos a uma disputa pelos ativos do Grupo Rede - um conglomerado de concessionárias de distribuição de energia à beira da falência que se encontra hoje sob intervenção do órgão regulador do setor elétrico, a ANEEL, devido ao risco de quebra.

De um lado, a Equatorial - que já comprou a "pior" empresa do Grupo Rede, a Celpa, por R$1- e a gigante CPFL. As duas empresas fecharam um contrato de exclusividade na aquisição com o dono da holding em dificuldades, Jorge Queiroz.

Mas, como a Rede entrou em recuperação judicial - o que já havia sido feito pela Celpa - a venda para o consórcio CPFL - Equatorial ficou condicionada à aprovação pela Assembleia de Credores.

O governo, quando viu que a "quebra" da Celpa deixou dívidas com o setor elétrico em suspenso, baixou uma Medida Provisória que proíbe que empresas de distribuição de energia entrem em recuperação judicial. Mas Queiroz usou uma jogada jurídica - pediu recuperação com a holding.

O Grupo Rede distribui energia em municípios de sete Estados e atende cinco milhões de consumidores. CPFL e Equatorial ofereciam R$2,5 bilhões, sendo parte para os credores e parte para quitar débitos setoriais das empresas adquiridas. Então surgiram o grupo mineiro Energisa e a estatal paranaense Copel na briga, com proposta de R$3 bilhões. A Copel depois saiu do páreo, mas a Energisa manteve o oferecido.

Em uma Assembleia de Credores muito tensa, foi decidido que seria quebrado o acordo de exclusividade com Equatorial e CPFL. No fim, os credores preferiram o plano da Energisa e o aprovaram, enquanto os concorrentes retiraram a aposta, contrariados.

Jorge Queiroz, do Grupo Rede: império da energia vendido por nada


É fácil entender, afinal, a frustração de Equatorial e CPFL. O negócio parecia certo e interessante. O setor de distribuição é um monopólio organizado em concessões. Oportunidades de aquisição não nascem da noite para o dia. E, de repente, um ativo de grande porte surgia no horizonte.

A CPFL tem caixa e muita experiência em distribuição. Tem ganhos de escala com o negócio. A Equatorial, por sua vez, tem em seu currículo a compra da Cemar, que atendia o Maranhão, por R$1, e a transformação da empresa falida em um bom negócio.

Recentemente, a Equatorial levou a Celpa, do Grupo Rede, também por R$1. Com a experiência de tornar lucrativa a rede do Maranhão, Estado que possui altos índices de furto de energia, a Equatorial acredita ter expertise para recuperar quase qualquer distribuidora mal gerida.

Juntas, Equatorial e CPFL têm caixa de R$3,3 bilhões. Não precisariam sequer emitir dívida para comprar o Grupo Rede. Embora, ao adquirir a Celpa, a Equatorial tenha captado dinheiro no mercado e mostrado que tem a confiança dos investidores nesse tipo de operação.

Já a Energisa é uma empresa centenária, fundada em 1905, que hoje tem algumas pequenas hidrelétricas, usinas eólicas em construção e cinco distribuidoras de energia. O caixa atual da holding é de cerca de R$1 bilhão, o que levanta a dúvida: de onde virão os outros R$2 bilhões?

 Na primeira proposta apresentada na Assembleia de Credores, a Energisa pedia que estes financiassem sua aquisição, com novos empréstimos. A operação, no entanto, foi negada. E nem assim arrefeceu o interesse. Há pouco tempo, em 20 de junho, o GIF IV Fundo de Investimento em Participações (administrado pela Gávea Energia, do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga) comprou 10,7% do capital da Energisa por um valor não revelado. Estaria aí a explicação para o ímpeto mostrado pela companhia?

Armínio Fraga, da Gávea Investimentos: fôlego financeiro para proposta da Energisa?


Parece que a ANEEL está atenta. Segundo notícia do Jornal da Energia, a capacidade financeira da Energisa para tocar o Grupo Rede preocupa, uma vez que a falta de recursos é hoje o principal nó a ser desatado nas empresas. Elas estão em intervenção há 12 meses e o caixa minguou de vez, o que tem dificultado muito o trabalho dos interventores nomeados pela própria ANEEL para administrá-las. Ainda assim, com a empresa vendida, a notícia diz que não é descartado que a intervenção siga.



sexta-feira, 12 de julho de 2013

Estatais or not estatais: o novo panorama do setor de transmissão

Diretores da Chesf comemoram vitória em leilão de linhas


Em julho do ano passado, a ANEEL enfrentou um dilema no setor elétrico. As estatais do Grupo Eletrobras, controladas pelo governo federal, eram tradicionalmente agressivas nos leilões que ofertam a investidores a construção de novas linhas de transmissão em troca de uma remuneração previamente estabelecida. Mas essas companhias vinham com frequência atrasando as obras que eram resultados desses mesmos certames.

Por um lado, havia o ganho com os deságios oferecidos pelas estatais frente à receita-teto estabelecida para os empreendimentos. Por outro, os atrasos causavam prejuízos ao sistema elétrico e até custos ao consumidor.

A situação fugiu do controle quando a Chesf não conseguiu construir no prazo previsto alguns lotes de linhas que escoariam a produção de usinas eólicas no Nordeste.  Os parques de geração a vento ficaram prontos, mas não tinham como enviar sua energia para a rede. Logo, ficaram parados, à espera das linhas, que ainda não estão prontas.

Um dos diretores da ANEEL, Julião Coelho, calculou queo deságio das propostas da Chesf no leilão em que arrematou as linhas resultaria em uma economia de R$16 milhões para os consumidores. Enquanto o atraso fez com que o consumidor tenha que pagar cerca de R$377 milhões por uma energia que não está sendo entregue. (Isso porque o modelo dos contratos dos parques eólicos reduzia o risco destes, garantindo a remuneração pela energia caso a culpa pela não entrega fosse de terceiros).

Julião Coelho, da Aneel: custo-benefício vai contra as estatais


A ANEEL, então, proibiu que empresas com histórico de atrasos fossem líderes em consórcios nos leilões, o que atingiu Furnas e Chesf. No início, elas poderiam ter apenas 10% de eventuais consórcios. Depois a ANEEL aliviou e permitiu participação de até 49%.

Ao mesmo tempo, a paulista CTEEP, controlada pelo grupo colombiano ISA, anunciou que ficará de fora das próximas disputas. A empresa teve grande parte da receita cortada devido à renovação de concessões de transmissão antigas, que agora serão remuneradas praticamente apenas pelos custos de operação e manutenção.

Nos leilões deste ano os resultados dessa política foram visíveis. O primeiro certame, em maio, teve deságio médio de 12%, sendo que quatro dos dez lotes de obras oferecidos não tiveram propostas dos investidores.
Chesf e Furnas frequentemente ofereciam lances com deságios que geravam burburinhos no salão da BM&Fbovespa, onde acontecem os certames. Sem a força dessas estatais, o domínio ficou por conta dos espanhóis, que são tradicionais investidores do setor de transmissão, com Abengoa e Isolux.

Nesta sexta (12/7), o deságio médio voltou a ser de cerca de 12% - e novamente houve dois lotes sem lances.

Entre os vitoriosos, apareceram novos nomes, ao invés de players mais tradicionais. A holding J&F, dos donos do frigorífico JBS, levou dois lotes. Foi a segunda investida da empresa no setor – a estreia foi em leilão de 2012, quando ficou com um lote. As novatas MFG Engenharia, Geoenergy Energia e Geoenergia surpreenderam ao ganhar disputas. Furnas ainda conseguiu vencer em um lote, associada com a J&F e com a goiana Celg.

Novo panorama?
A ausência de Furnas e Chesf tem pesado contra os deságios. Mas, assim como a CTEEP, que também poderia ter ajudado a baixar os preços, a Eletrobras foi bastante afetada pela renovação das concessões. O que faz com que não fique muito claro se, mesmo sem a punição dada pela ANEEL, as empresas federais poderiam ser agressivas como antes.

Nesse cenário de menos disputa entre os empreendedores e de mais espaço para os agentes privados é que se darão os próximos leilões. O último do ano, que deve acontecer em dezembro, é o que está no foco dos investidores. Ele oferecerá a oportunidade de erguer um dos linhões que escoará a energia gerada pela hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. A linha terá 2,2 mil quilômetros de extensão.

Empreendimentos desse porte têm sido construídos por meio da associação entre diversos players, privados e estatais, devido à intensidade de capital exigida e à própria complexidade do projeto.

Sabe-se que a chinesa State Grid, a maior elétrica do mundo, que pertence ao governo chinês, está muito interessada nesse investimento. A empresa não fala de outra coisa desde que chegou ao País, em 2010, assustando o setor com aquisições de transmissoras no valor de R$3 bilhões. Eletrobras, Cteep, Abengoa, Copel e Cemig (via Taesa, sua controlada de transmissão) também estão de olho nesse leilão há tempos. 

Mas, agora que o cenário parece um pouco diferente, resta saber como será a competição por tal empreitada.

Os irmãos Batista, da JBS e da J&F: ambições no setor



A J&F tem caixa e tem Furnas como importante parceira, acrescentando know-how em energia. Tal configuração abre espaço para que os donos do JBS entrem de vez no setor elétrico, tendo a transmissão como porta de entrada. Essa, inclusive, tem sido a estratégia da State Grid. Que é sócia de Furnas em alguns projetos no Brasil e tem outras obras junto à Copel.   Algo me diz que os Batista e os chineses estão de olhos bem abertos.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

os ortodoxos e os heterodoxos do setor elétrico: mercado livre X mercado regulado

A batalha do pensamento econômico tem sido travada através dos tempos entre ortodoxos e heterodoxos, clássicos e keynesianos, neoliberais e marxistas. Essa guerra se repete no setor elétrico. Neste, existe um atrito entre os defensores de um sistema estatal e monopolizado; os que acreditam em um sistema misto, com presença do Estado e privada; e os que defendem total liberalização, com um sistema de laissez-faire, guiado pela "mão invisível do mercado".

Adam Smith abriria uma comercializadora de energia

E a rusga vai muito além da mera privatização ou posse estatal das empresas de energia elétrica - um debate que ocorreu no Brasil e no qual não iremos entrar aqui. A questão, para muitos especialistas da área, é entre mercado livre, mercado regulado ou um modelo híbrido entre os dois.

No mercado regulado, quem abastece o consumidor final é a distribuidora de energia, uma empresa que tem os custos e atividades fiscalizados por uma agência reguladora - no caso a ANEEL. No mercado livre, os consumidores podem comprar a energia diretamente das empresas que investem em geração ou em empresas que trabalham com compra e venda de eletricidade, as comercializadoras.

Hoje, no Brasil, o consumidor regulado é cerca de 75% da carga, e é principalmente de residências e comércios. No mercado livre estão empresas com grande demanda, como a indústria, shoppings e supermercados. No ambiente regulado, as distribuidoras compram energia em leilões públicos, pelo menor preço possível. No livre, as negociações são bilaterais, os preços são secretos e não existe regra sobre eles.

Temos um modelo misto, com predominância do ambiente cativo.



Na Europa, há países em que o mercado é totalmente livre, como Portugal. Que adotou a medida, inclusive, por pressão da Troika - o grupo de credores formado por Banco Central Europeu, FMI e e Comissão Europeia.

A liberalização do mercado de energia vai no sentido da total liberalização do mercado, da competição plena, do liberalismo econômico. Para os heterodoxos, isso seria perigoso para o setor elétrico, pois poderia gerar diversas crises e sustos - como acontece com o capitalismo. Há entre eles os que acreditam que é possível haver uma coexistência, que o modelo de escala do ambiente livre cabe para a indústria e ajuda na competitividade, desde que bem regulado.  E há os que acham que a liberdade só gera bagunça - que o mercado poderia ser totalmente regulado.

Keynes: o mercado é livre, mas se vier uma crise coloco as estatais pra investir

Estes últimos ainda têm certeza de que só assim se conseguiria a menor e mais justa tarifa. Enquanto que os liberais dizem convictos que só a competição traz preços realmente baixos.

Em parte da Europa e nos Estados Unidos já há até operações de derivativos e de bolsa no mercado livre de energia. O que, é claro, deixa os heterodoxos de cabelo em pé. Embora os liberais prefiram não lembrar que o Estado já precisou agir muitas vezes para corrigir excessos causados pela falta de regulação (o que já aconteceu até no mercado de energia brasileiro).


governo acena para relicitação de concessões de hidrelétricas paralisadas há anos



(foto: Vale)

No último post, falamos sobre a dificuldade do governo para licenciar novas hidrelétricas. Mas parece que a presidente Dilma tirou uma carta da manga para voltar a oferecer empreendimentos à iniciativa privada em leilões. Mesmo que isso seja por meio da retirada de projetos da própria iniciativa privada.

Vejamos.

Antes de ser criado o novo modelo do setor elétrico, em 2004, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) promovia leilões da concessão de projetos hídricos em que vencia quem oferecesse o maior valor a ser pago aos cofres públicos por meio da cobrança de Uso do Bem Público (UBP). A ideia era viabilizar a construção das usinas e ainda garantir receitas para o Tesouro.

Posteriormente, o marco regulatório estabeleceu que os leilões passariam a ser realizados para suprir a demanda por energia das distribuidoras - que atendem o consumidor final, ou residencial, no mercado regulado. A competição, então, passou a ser por quem oferecia a menor tarifa, para garantir a modicidade tarifária.

Acontece que hoje, em 2013, vemos que muitas das hidrelétricas licitadas pelo modelo antigo não chegaram a sair do papel. Matéria recente do Valor aponta que são cerca de 2 mil MW (mais que a usina de Teles Pires, que está sendo erguida no Mato Grosso) que demandariam R$10 bilhões em investimentos. Os projetos estão na mão principalmente de indústrias que, por terem grande demanda por energia, constroem os projetos para utilizar a geração em benefício próprio. São os "autoprodutores" de energia.

O que travou essas plantas foi justamente o licenciamento ambiental, como dito no post anterior. Foram muitas idas e voltas de documentos, rejeição de estudos pelo Ibama, audiências públicas... algumas chegaram a ser consideradas totalmente inviáveis. Em outros casos, os empreendedores seguem tentando levar a obra adiante. Entre os investidores dessas usinas estão Light e Cemig, de elétricas, e autoprodutores como Alcoa, BHP Billiton, Camargo Corrêa, Vale, Votorantim e Gerdau.

Pelo edital dos leilões, os investidores assumiram o risco ambiental e, por isso, precisariam passar a pagar a UBP já no ano passado, independente de a usina estar pronta ou não. As empresas tentaram negociar, mas a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe o governo de abdicar de receitas, como é o caso da UBP.

A situação fez com que a Abiape, associação que representa os autoprodutores, e a Apine, que é dos produtores de energia, entrassem na Justiça e conseguissem uma liminar sustando a cobrança.


Mário Menel, presidente da Abiape (reprodução)


As entidades também tentaram colocar emendas parlamentares em medidas provisórias editadas recentemente - como a MP 579, que renovou as concessões do setor elétrico - para recompor o prazo do contrato de concessão dessas hidrelétricas, de modo a tornar financeiramente viável a continuidade dos projetos.

Tais propostas foram negadas pelo governo, que agora deu um ultimato para esses investidores na Lei 12.839, resultante da Medida Provisória 609/2013. 

 Art. 4º-A.  Os concessionários de geração de aproveitamentos hidrelétricos outorgados até 15 de março de 2004 que não entrarem em operação até 30 de junho de 2013 terão o prazo de 30 (trinta) dias para requerer a rescisão de seus contratos de concessão, sendo-lhes assegurado, no que couber:
 I - a liberação ou restituição das garantias de cumprimento das obrigações do contrato de concessão;
 II - o não pagamento pelo uso de bem público durante a vigência do contrato de concessão;
 III - o ressarcimento dos custos incorridos na elaboração de estudos ou projetos que venham a ser aprovados para futura licitação para exploração do aproveitamento, nos termos do art. 28 da Lei no 9.427, de 26 de dezembro de 1996.
 § 1o  O poder concedente poderá expedir diretrizes complementares para fins do disposto neste artigo.
 § 2o  A fim de garantir a condição estabelecida no inciso II do caput, fica assegurada ao concessionário a devolução do valor de Uso de Bem Público - UBP efetivamente pago e ou a remissão dos encargos de mora contratualmente previstos.”

Na prática, é uma alternativa para que as empresas devolvam as concessões, que poderiam então ser relicitadas e apaziguar a dificuldade do governo de obter licenciamento ambiental para novas usinas.

A Abiape afirma que algumas dessas hidrelétricas estão mais próximas de obter aval dos órgãos ambientais, como Santa Isabel (no rio Araguaia). A UHE Itaocara, que pertence a Light e Cemig, já até possui o documento - estaria pronta para ir a leilão hoje.

É preciso ver se daria tempo de colocar esses projetos no leilão A-5. Mas é certo que eles atrairiam grande interesse dos investidores e competição. Isso porque as empresas que normalmente já participam dos leilões estão de olho em novas oportunidades. Ao mesmo tempo em que os autoprodutores que originalmente construiriam essas usinas terão interesse em fazer parte de consórcios na disputa para poder usar parte da energia que elas gerarão.

(Mas algumas dessas usinas podem continuar pelo caminho. Santa Isabel, por exemplo, seria construída na região onde aconteceu a Guerrilha do Araguaia - e a suspeita de que corpos de guerrilheiros esteja em sua área de alagamento pode inviabilizá-la. Outras, como a UHE Baú, já foram colocadas como inviáveis pelo Ibama).

PS: Em tempo: a Lei 12.839 também autoriza oficialmente o uso de recursos do Tesouro para bancar a redução das tarifas de energia prometida pelo governo, como já adiantado aqui (Contabilidade criativa: a bola de neve bancada pelo Tesouro para reduzir as contas de energia).

quarta-feira, 10 de julho de 2013

hidrelétricas travadas - o paradoxo ambiental da EPE

fonte: PDE 2021


O Plano Decenal de Energia é um documento feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), uma empresa de estudos ligada ao Ministério de Minas e Energia, com uma projeção da política energética para os próximos dez anos. Na versão atual, podemos constatar uma complexa realidade: a redução gradual da participação das hidrelétricas na matriz. A fonte, que é renovável e barata, tem perdido espaço para a geração térmica, mais cara e poluente. O documento da EPE projeta que as usinas hídricas, que hoje são 72% do total, serão 65% em 2015. Em 2021, 64%. Já as termelétricas passariam de 14% atuais para 17% em 2015. Em 2021 a EPE vê a fonte com 14% de novo, mas a meta foi traçada antes de o governo abrir espaço para usinas a gás e carvão no leilão A-5 deste ano - que contrata plantas que começarão a gerar em 2018.

Aliás... o leilão A-5 resume o "paradoxo ambiental" brasileiro, conforme definido pelo presidente da própria EPE, que traçou o estudo. O presidente do órgão, Mauricio Tolmasquim, lamenta a necessidade de trazer de volta o carvão. O que explica é a dificuldade de se garantir gás barato para novas térmicas e, principalmente, a impossibilidade de se construir hidrelétricas com reservatórios.

A legislação ambiental brasileira, considerada das mais duras do mundo, tem dificultado o andamento e mesmo a liberação de hidrelétricas. Com reservatórios, então...são vetadas, ou nem chegam a ter os estudos concluídos devido à "inviabilidade ambiental".

No Plano Decenal de Energia de 2006, a expectativa da EPE era de que chegaríamos em 2015 com 73% de geração hidrelétrica.São oito pontos percentuais a menos que o concretizado. E tudo leva a crer - perdoem-me o pessimismo - que as metas para 2021 não serão batidas no quesito hidrelétricas.

O prazo médio de construção de uma hidrelétrica é cinco anos. Mas o órgão vê como em operação já em 2017 a usina São Manoel, cujo licenciamento ambiental está paralisado desde que funcionários da EPE foram feitos reféns por índios. E espera para 2018 as de Ribeiro Gonçalves - que faz parte de um pacote de projetos que não atraíram investidores nos últimos leilões de energia - e São Luiz do Tapajós. Essa última, a maior de todas, está em fase de estudos ambientais e já enfrenta ações na Justiça, incluindo oposição de ONGs e do Ministério Público.

Mauricio Tolmasquim, presidente da EPE, também já disse que o governo perdeu a batalha da comunicação. O presidente Lula chegou a dizer que gringos não iam dizer se o Brasil podia construir Belo Monte ou não. Mas a questão é que, além da oposição estrangeira e das ONGs, o governo tem parado na própria área ambiental. O Ibama não é tão ágil na análise dos documentos dos licenciamentos.

Tolmasquim (Agência Brasil)

Mas não por culpa do próprio Ibama. O órgão precisa analisar milhares de páginas de documentação de todos os projetos de infraestrutura. Na verdade, também do tráfico de animais silvestres, da construção em locais irregulares, etc. O que acontece é que, com tantos projetos e outras obrigações, o órgão não tem mesmo como ser rápido.

O paradoxo ambiental está aí. Licenciamento travado, falta de projetos hidrelétricos, expansão das termelétricas, poluição, custo maior. Além disso, macroeconomicamente, a construção de uma hidrelétrica tem um efeito multiplicador da atividade econômica muito maior que de uma térmica. Uma termelétrica é uma estrutura e máquinas (muitas importadas). Uma hídrica envolve a movimentação de muitas toneladas de terra, metal, concreto, tratores, bombas de sucção, a construção de alojamentos, as refeições para os trabalhadores, etc - além de ter equipamentos que podem ser construídos quase totalmente no País.

De qualquer maneira, o leilão de energia A-5 tem 7,5GW em projetos cadastrados - número expressivo (embora só 400MW sejam hidrelétricos, da usina de Sinop). O setor elétrico brasileiro ainda parece realmente bastante atraente para os grandes investidores nacionais e internacionais.

Contabilidade criativa: a bola de neve bancada pelo Tesouro para reduzir as contas de energia

Fonte: Aneel


Como dito no post anterior, o governo federal  prometeu a redução das tarifas de energia em cerca de 20% em 2013, por meio da prorrogação das concessões de hidrelétricas e linhas de transmissão que estavam para vencer. Nessa renovação dos contratos, o preço de venda da energia passaria a ser muito baixo, somente o suficiente para bancar operação e manutenção dos ativos. Isso é que garantiria o tal desconto.
No entanto, algumas empresas não aceitaram renovar os contratos de suas hidrelétricas nesses termos e, portanto, seguirão operando as usinas até o vencimento dos contratos pelos preços vigentes. Tais decisões, que o governo tentou politizar, parecem bastante técnicas, uma vez que Cesp e Cemig, por exemplo, teriam súbito corte de caixa se aceitassem a proposta. A própria Eletrobras, que aceitou porque tem como controlador o governo federal, sofreu oposição dos acionistas minoritários.

Nesse momento, começou a rolar montanha abaixo uma pequena bola de neve.

O governo já previa um aporte anual de cerca de R$3 bilhões por parte do Tesouro para bancar a redução de encargos cobrados nas tarifas – o que, junto com a solução dada para as concessões, garantiria o desconto. Tudo já estava muito explicado pelo homem forte do Tesouro, Arno Augustin. Mas com a não adesão de muitas hidrelétricas, a previsão de aportes necessários saltou para R$8,4 bilhões – mais do que dobrou.

Esses recursos serão provenientes de uma venda de títulos lastreados pelos recebíveis que a União tem junto a Itaipu. A estimativa do Tesouro é de que esses créditos da União junto à usina binacional sejam de cerca de US$15 bilhões – sendo que normalmente o Tesouro recebia R$4 bilhões por ano. Esses créditos, agora, têm sido vendidos ao BNDES para capitalizar a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um fundo setorial que fará os aportes no setor elétrico para garantir as tarifas reduzidas.

Arno Augustin (Crédito: Agência Brasil)

Posteriormente, garantidos os descontos, veio outro problema. São Pedro não ajudava. As chuvas foram fracas entre o final de 2012 e o início de 2013. Com isso, o sistema brasileiro, composto principalmente por hidrelétricas, ficou com pouca água e foi preciso ligar as termelétricas para garantir o suprimento. O Operador Nacional do Sistema (ONS) ainda tentou segurar na unha e adiou em um mês o acionamento das térmicas. Depois, não teve jeito e foi preciso colocar para gerar usinas a gás, carvão e óleo – que são caras e poluentes.

A conta por deixar essas usinas acionadas pode passar de R$1 bilhão por mês. O montante é recolhido nas contas de luz por meio do Encargo de Serviços de Sistema por Segurança Energética (ESS-SE), pago pelas distribuidoras, que depois repassam o montante ao consumidor final.

O problema é que o custo das térmicas ameaçava já minar a redução tarifária prometida pelo governo. Além de pressionar o IPCA, claro, que só havia ficado dentro do teto da meta do Banco Central, de 6,5%, devido à redução de cerca de 20% nas tarifas de energia.

Entrou em ação novamente o Tesouro Nacional. Ele passou a bancar, ainda com os créditos de Itaipu, os gastos das distribuidoras com esses encargos.  

Além disso, havia outra questão. Algumas distribuidoras de energia ficaram descontratadas depois de todas as manobras para renovar as concessões, que envolveram muitas mudanças em contratos existentes. Essas empresas então precisaram comprar energia no mercado de curto prazo, o chamado mercado spot. Mas o mercado spot, que tradicionalmente tem preços baixos, estava nas alturas devido à falta de chuvas. O resultado é que isso poderia quebrar as distribuidoras expostas a ele e deixar sem luz os consumidores. Ou elevar novamente a tarifa. Claro que o Tesouro apareceu novamente. Passou a cobrir a “exposição involuntária” das distribuidoras.

Somado tudo isso, a CDE, que ficou responsável por fazer os repasses que garantem a baixa tarifa, já gastou R$9,2 bilhões até julho deste ano. Foram R$2,9 bi em “subsídios tarifários”, R$322,1 milhões para garantir uma “redução tarifária equilibrada” e quase R$5,9 bilhões para custear o despacho de termelétricas e a exposição de distribuidoras ao mercado spot.

O resultado é que o Tesouro gastou, em sete meses, R$9,2 bilhões, ou 27% do total que tem a receber de Itaipu até 2023. A manobra tem o carimbo da “contabilidade criativa” que tem sido adotada pelo Tesouro na gestão de Arno Augustin. O governo gera recursos vendendo créditos futuros ao BNDES, em uma transação que não resulta em aumento de dívida, mas queima receitas futuras.


Os gastos para compensar a exposição das distribuidoras e a geração térmica serão cobrados dos consumidores nos próximos cinco anos, com o valor total do subsídio sendo diluído nos próximos reajustes tarifários a serem concedidos nesse período.

A pergunta é... vale a pena tanto subsídio pra garantir a redução da tarifa? Esse desconto não voltará nos próximos anos, quando for necessário pagar o Tesouro pela geração térmica que ele bancou? Não era possível evitar a exposição involuntária das distribuidoras se o processo de renovação das concessões não tivesse sido feito na pressa? 

Aguardamos a resposta de Mr. Mantega (será que a Economist sabe disso?)

segunda-feira, 8 de julho de 2013

As concessões de energia e a precificação no mercado




Será que foi corretamente precificado pelo mercado o risco do vencimento das concessões de hidrelétricas e linhas de transmissão cujos contratos iam até 2013, 2015 e 2017?

Todos os papéis de companhias que seriam afetadas por isso caíram vertiginosamente já nos dias anteriores ao 11 de setembro em que a presidente Dilma anunciou a Medida Provisória 579. A MP oferecia às empresas a renovação dos contratos dos ativos, mas estes passariam a ser remunerados apenas pelo custo de operação e manutenção, sem margem de lucro. A queda na remuneração era brutal.

As empresas que tinham mais MW em usinas e quilômetros de linhas para vencer eram, pela ordem, Eletrobras, Cesp, Cemig e Copel. O mercado castigou as ações porque havia forte pressão política para que elas, todas estatais, aceitassem os termos. O governo politizou o tema. Disse que as administrações tucanas eram contrários à redução das tarifas de energia. Mesmo com o clima de terror político, o temor da reação do mercado ou a racionalidade econômica levaram todos a recusar a proposta.

A questão é que o mercado não “desprecificou” a MP 579 quando essas empresas não concordaram com ela. Por que será? Estão achando muito baixas as ofertas de tarifa de operação e manutenção para as usinas? Parece estranho, uma vez que a discussão sobre o destino das concessões teve início em 2009. E já em julho de 2011 o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, dizia que uma ideia na mesa era “a retomada do controle sobre ativos pela União e realização de leilões apenas para contratar prestadores de serviço de operação e manutenção (O&M)”.

E não é isso que acontecerá? Não devia ter somente a Eletrobras sido penalizada? Ou o mercado, os analistas financeiros, tão bem preparados, falharam em prever o que aconteceria? O governo falava desde sempre em retomar os ativos com tarifas muito menores de modo a assegurar uma redução no preço da energia. Passado o susto e visto que ninguém foi obrigado a renovar os contratos na marra (exceto a Eletrobras, mas não vamos entrar nessa seara), não havia lá muito motivo pra susto.



Mas uma teoria que pode explicar tudo é até um pouco conspiratória. Sabe aquela frase americana, de que ninguém quer levar o ponche embora no auge da festa?  Por que precificar já em 2011 o risco de algo que começaria a ter efeitos em 2013 e depois em 2015 e 2017? Dava pra brincar muito com esses papéis e engordar a conta de dividendos até lá.

Algo como a festa rolando no mercado americano enquanto os empréstimos subprime comiam soltos aquecendo o mercado imobiliário, embora muita gente já estivesse vendo que lá na frente a coisa ia no mínimo parar.



Em tempo: acredito que a Eletrobras sofrerá, sim, um tombo violento, mas não duvido que continue sendo tocada com alavancagem via BNDES ou até capitalizações. O governo vê nela um papel estratégico, faz parte do modelo e é um pouco da visão Unicamp da equipe econômica manteiguista. Fomentar o crescimento com a participação de uma “campeã estatal” nos leilões, mesmo que para isso aceite taxas de retorno menores (até porque isso ajuda a segurar a tarifa para os consumidores).

A Cesp vai aceitar virar uma geradora pequena e nem descarto um governo tucano futuro privatizá-la (o único obstáculo seria um eventual cálculo de que geraria muito desgaste político). A Cemig segue forte, mas precisará ser mais agressiva nos próximos leilões de energia nova para renovar o portfólio. Ou continuar apostando nas aquisições, como tem feito nos últimos anos. Se eu tivesse coragem de comprar ações apostaria na recuperação do valor a longo prazo.