segunda-feira, 29 de julho de 2013

O buraco sem fundo do setor elétrico: faltam mais de R$20 bilhões


Para cumprir a promessa feita em cadeia nacional de rádio e televisão pela presidente Dilma Rousseff, de reduzir em cerca de 20% as tarifas de energia do País, o governo se enrolou em uma confusão sem fim e agora enfrenta um rombo de entre R$20 bilhões e R$25 bilhões - ainda sequer está claro o valor total.

O número foi levantado por este blog com base em dados públicos do Ministério de Minas e Energia, da Eletrobras e da Agência Nacional de Energia Elétrica. Todos podem ser facilmente checados pela internet.

Vamos por partes.

Em 11 de setembro, a presidente Dilma assinou a Medida Provisória 579, que propunha a renovação de contratos de concessão de hidrelétricas e linhas de transmissão antigas que venceriam entre 2013 e 2017. Como condição para renovar os acordos, as empresas deveriam aceitar uma remuneração menor. Em troca, seria oferecida uma indenização pelos ativos considerados ainda não totalmente amortizados. Essa indenização seria paga com recursos da RGR - um fundo do setor elétrico criado justamente para compensar eventuais reversões de contratos.

No final, algumas empresas negaram os termos oferecidos, por não serem financeiramente compensadores. Cesp, Cemig e Copel, por exemplo, se negaram a aceitar a prorrogação de suas concessões de geração. E, assim como a CTEEP, só aceitaram a renovação para transmissão depois que o governo resolveu aumentar as indenizações oferecidas.

Assim, as compensações a serem pagas com a RGR somaram cerca de R$5,9 bilhões para geração e algo como R$12,96 bilhões para transmissão. Nesse montante, porém, não entrou o valor extra prometido para convencer as transmissoras - que é estimado entre R$10 bilhões e R$15 bilhões. O total de indenizações a ser pago totaliza, então, algo entre R$28,8 bilhões e R$33,86 bilhões.

Acontece que a RGR possuía, em janeiro deste ano, somente R$15,2 bilhões.Outro fundo do setor elétrico, a CDE, somava outros R$2,4 bilhões, em um total de R$17,6 bilhões.

O Tesouro já previa, na época, usar créditos que tinha a receber da hidrelétrica binacional de Itaipu, no valor de cerca de R$4 bilhões anuais, para cobrir o que faltasse. A União tem cerca de US$15 bilhões a receber da usina até 2023.


Acontece que a não renovação das concessões por CESP, Cemig e Copel resultou em uma falta de contratação de energia nas distribuidoras, que precisaram comprar energia no mercado spot a preços elevados. Para que as tarifas não voltassem a subir, o governo resolveu usar dinheiro da CDE e, se preciso, créditos de Itaipu para cobrir as despesas das empresas no mercado spot.

Então outro imprevisto apareceu: o período úmido, no final de 2012, não teve chuvas o suficiente para encher os reservatórios das hidrelétricas. Para evitar o risco de racionamento, o governo precisou ligar todas termelétricas do País. Muitas dessas usinas possuem custos exorbitantes de operação. Mas como a população ia entender a tarifa subindo logo depois da redução anunciada por Dilma? A solução foi apelar novamente para a CDE.

Segundo dados da ANEEL, esses desembolsos da CDE somam R$9,2 bilhões até julho deste ano. O montante se soma às indenizações para geradoras e transmissoras, elevando a conta total para garantir as tarifas mais baixas para algo entre R$38 bilhões e R$43 bilhões. Enquanto, como já vimos, os créditos nos fundos do setor elétrico, RGR e CDE, somavam R$17,6 bi em janeiro.

Pelos dados de maio, os mais recentes disponibilizados pela Eletrobras, a RGR já pagou R$9,3 bi em indenizações e agora tem um saldo de R$6,4 bi. Já a CDE conta com somente R$222 milhões, pois já gastou R$1,28 bi para compensar o custo das termelétricas, R$550 milhões para "modicidade tarifária" e R$30 milhões para compensar a não adesão de Cesp, Cemig e Copel à MP 579.

O total de desembolsos dos fundos é de R$11,24 bilhões, o que faz com que ainda existam entre R$26,76 milhões e R$31,76 bilhões a serem pagos - entre indenizações pela MP 579 e compensações via CDE. O déficit, nesse caso, é de algo que pode ir de R$20,14 bilhões e R$25,14 bilhões.



Segundo reportagem do Estado de S. Paulo desta segunda (29), "o governo federal não tem mais recursos em fundos setoriais para as indenizações" e já usou, em maio, R$2,5 bilhões da RGR para capitalizar a CDE. A transação ainda não aparece nos dados da Eletrobras, que mostram apenas o saldo em maio, sem as entradas e saídas de recursos.

Na segunda passada (22), o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o governo não iria mais usar os recebíveis de Itaipu para capitalizar a CDE, que teria os gastos bancados com "despesa primária" a partir de agora. A intenção é "melhorar a transparência e a solidez das contas públicas".



O Tesouro, então, irá bancar esses montantes, entre R$20 bi e R$25 bi? Há o detalhe de que as indenizações para transmissão poderão ser parceladas, o que reduz a conta à vista, mas segue o rombo no orçamento.

Vale a pena ver de novo. 


Questionado sobre o assunto nesta segunda (29), o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (homenageado em nosso post anterior), disse que o governo poderá utilizar recursos do Tesouro para saldar o déficit caso não haja recursos nos fundos setoriais. Mas apontou que isso é de competência da ANEEL. "A Aneel vai estudar se tem recurso, se não tiver faremos de outra forma”, explicou o ministro aos jornalistas.

Faltou dizer: embora muitas usinas mais caras tenham sido desligadas, a geração térmica ainda custará cerca de R$400 milhões por mês - provavelmente até perto do final do ano. A serem pagos pela CDE - ou pelo Tesouro.

Atualização: a ANEEL acaba de aprovar, em 30/7, a destinação de mais R$1 bilhão em recursos da CDE para cobrir a conta das distribuidoras de energia com a compra de energia térmica. Parece que a fatura do governo não tem fim.

Faça as contas você mesmo:
- Dispêndios CDE - Aneel
- Movimentação RGR - Eletrobras
- Movimentação CDE - Eletrobras



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